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AS MARCAS DE UMA VIDA CONSAGRADA

Gênesis 32.22-32.


Por que alguns crentes vivem uma vida cristã monótona e sem realizações?


Vejamos o que diz o relatório do Dr. Roland Leavell sobre os crentes dos Estados Unidos:

20% nunca oram;

25% nunca leem a Bíblia;

30 % nunca vão à igreja;

40% nunca contribuem para nenhum fim;

50% nunca vão à escola dominical;

60% nunca vão aos cultos da noite;

70% nunca fazem para missões;

80% nunca vão às reuniões de oração;

90% nunca fazem cultos domésticos;

95% nunca levam uma alma a Jesus;


Uma possível explicação está na falta de uma consagração total ao Senhor. Há uma espécie de cristianismo anêmico em nossas igrejas. Quase nos assemelhamos aos cristãos que são puramente nominais e não convertidos. Uma vida cristã assim entristece muito ao Senhor. Apenas uma vida inteiramente consagrada pode agradar a Deus.


Vejamos o exemplo de Jacó, que mesmo sendo um escolhido de Deus vivia de uma maneira derrotada. Ele era de uma família escolhida, que tinha grandes promessas, mas isto não lhe trouxe consagração alguma. Aliás, a sua família deixou marcas terríveis em sua vida. Pais divididos, mãe espertalhona. Tudo isso deixou um vazio espiritual no coração do jovem Jacó. O capítulo 27 de Gênesis é um roteiro de mentiras, enganos, armadilhas e juras de morte. Jacó, induzido por sua mãe, comete erros espirituais e familiares sem precedentes.


É muito interessante lembrar que Rebeca, a mãe de Jacó, tinha o mesmo princípio de enganar que existia na casa de seus pais. Jacó sente a falta de caráter de Labão anos depois.

Se pudéssemos comparar, diríamos que Jacó se converteu quando fugia de seu irmão, em Betel (casa de Deus). Ali ele viu uma escada sob a qual os anjos desciam e subiam até Deus. Ele viu Jesus, que liga a terra ao Céu (Gn 28.10-17).


Agora, no texto escolhido, Jacó já é um homem maduro, rico, com uma família formada, mas estava longe de ser o que Deus projetara para ele. Ele não tinha uma vida consagrada. Mas um homem escolhido por Deus para ser patriarca de uma nação santa precisava de uma vida totalmente no altar de Deus. Assim, aqui, em Gênesis 32. 22-32, Jacó tem um encontro maravilhoso com Deus. A maior experiência espiritual de toda a sua vida.


E quais são os caminhos que Deus encontrou para fazer uma obra maravilhosa em Jacó?

Quais são os caminhos que Deus utiliza para nos tornar mais consagrados, para romper com nossa carnalidade?


Podemos identificar, inicialmente, o CAMINHO DA SOLIDÃO.

Jacó ficou sozinho. Ele se apartara de sua família (v.22) e de seus pertences (v.23). Ele ficou sozinho com Deus (v. 24). O que aconteceria ali não precisava de espectador. Talvez aqui se aplicasse as palavras de Jesus quando disse que não era importante orar em público. A oração no quarto secreto tem mais valor diante de Deus (Mt 6.5-8).


Jacó está com muito medo. Ele fora orientado que seu irmão vem contra ele com quatrocentos homens (Gn 33.1). Ele não tem chance alguma de escapar. Ele então buscou a solidão, para na solidão, conversar com Deus.


A vida cristã é na sua maior parte comunitária. Nós cantamos juntos, oramos juntos, servimos juntos, evangelizamos juntos; mas há na vida de cada filho de Deus a necessidade de alguns encontros assim, solitários, no quarto secreto, naquele lugar onde somente Deus os vê. Moisés teve momentos assim no Monte Sinai; Davi se viu assim na Caverna de Adulão, Jonas somente podia falar com Deus no ventre do grande peixe; Jesus também gostava da solidão para falar pessoalmente com seu Deus.


O homem ocidental não gosta da solidão. É possível que nenhum de nós goste dela. Fugimos dela escondidos em nossos contatos e redes sociais. Mas nada de profundo espiritualmente acontecerá em nossos corações, se não trilharmos o caminho que nos leva a uma montanha onde está somente Deus.


Talvez a melhor forma de fazer uma ponte entre esta experiência de Jacó com a nossa é desenvolvermos o maravilhoso hábito da prática devocional individual. Devemos orar com nossa família; devemos orar com nossos irmãos; mas jamais podemos abdicar de experiências solitárias de oração. Conversar com Deus diretamente, sem nada entre nós e Ele, é uma experiência santificadora.


Entendo que um devocionário, seja ele o melhor possível, possa promover aquela mudança que somente com um contato direto com Deus e sua Palavra, podem fazer. Talvez um devocionário possa causar mais mal do que bem, se ele for a única fonte de contato entre um crente e seu Deus.


Você somente se tornará um crente consagrado se encontrar tempo de ficar a sós com Deus.

Uma outra forma de Deus nos tornar mais consagrados é nos levando ao CAMINHO DO ESFORÇO.


Jacó lutou com Deus a noite toda (v.24-26). Possivelmente nenhuma pessoa sobre a face da terra poderá perscrutar e entender o que aconteceu ali. Deus e o homem em uma luta física. Deus, em forma corpórea, lutava com Jacó. Por parte de Deus há uma clara reserva de Poder (v.25), por parte de Jacó, uma desesperada tática para ser abençoado. O Deus que não pode ser visto não quis esperar o romper da manhã em seu embate com Jacó.


Derek Kidner tem uma maneira alvissareira de descrever o que aconteceu ali:

Era contra Deus, não contra Esaú ou Labão, que ele estivera medindo forças, com agora descobriu. Contudo a iniciativa fora de Deus, como o foi nessa noite, para depurá-lo do seu orgulho e desafiar a sua tenacidade. O fato de aleijá-lo e de dar-lhe outro nome mostra que os fins de Deus continuavam sendo os mesmos: queria ter para Si toda a disposição que Jacó tinha para vencer, alcançar, conseguir, mas expurgada da auto-suficiência e reorientada para o objeto certo do amor humano- Deus mesmo. Era derrota e vitória em uma luta só.

E continua Kidner:

Lutou com Deus e prevaleceu (Oseias 12.4). Esta é a linguagem dar força. Chorou e lhe pediu mercê (Oseias 12.4). Esta é a linguagem da fraqueza. Depois do ferimento sofrido, a combatividade se tornara insistente dependência, e Jacó saiu roto, com nome novo, e abençoado. A partir de agora ele mancará (v. 31 e 32), mas esta ferida lhe fará bem. Ele deverá se lembrar sempre do encontro maravilhoso encontro que teve com Deus. (Gênesis- Introdução e Comentário, p.157).

Pela primeira vez Jacó venceu uma demanda com honra. Ele enganara Isaque, enganara Labão. Mas aqui ele luta uma luta que força ou artifício humanos não podem vencer. Ele lutou com Deus.


É possível que este homem que é chamado de Deus, tanto aqui neste texto (v.28), mas também por Oséias em 12.4, de Deus, seja o próprio Senhor Jesus, que é o Deus conosco, o Deus que se deixa encontrar.


O que significa para nós hoje esta luta? Talvez faça alusão a sacrifícios vivos santos e agradáveis a Deus descritos por Paulo em Romanos 12.1 e 2. É certo que há lugar na vida cristã para o esforço, para a corrida perseverante na fé, para orações incessantes, para se colocar a mão no arado e avançar sem olhar para trás. O reino de Deus é tomado por esforço. Jesus assevera que desde os dias de João Batista até agora, o reino dos céus é tomado por esforço, e os que se esforçam se apoderam dele (Mt. 11.12). Há uma forma humana de demonstrar a Deus que quer a sua bênção. Jacó a encontrou ali, lutando e chorando ao mesmo tempo. Deus o ouviu e lhe atendeu.


Tenho para mim que a melhor forma de tomarmos posse desta porção das Escrituras, onde Jacó luta com Deus, é lutarmos da mesma forma em oração sincera e perseverante. Aqui se destacam as palavras de Jesus que nos manda bater, pedir e buscar de Deus respostas às nossas orações (Lc 11.9-13).


Lutero comenta este texto assim:

Primeiramente, quando nos encontramos em tribulação, Ele deseja que oremos; pois Deus, frequentemente, oculta-se, por assim dizer, e não mais nos ouve; ou, antes, não permitirá ser encontrado. Então devemos busca-lo, mais especificamente, devemos permanecer em oração. Quando o buscamos, Ele amiúde fecha-se sobre si mesmo, digamos, num quarto privado; se pretendemos aproximar-nos dele, logo devemos bater, e quando tivermos batido uma ou duas vezes, então Ele começa minimamente a ouvir. Por fim, quando batemos em demasia, Ele abre e diz: ‘Que quereis?”. Senhor, nós dizemos, precisamos disto ou daquilo. Logo Ele diz: ‘Leve para ti”. Desse modo, é preciso persistimos em oração e, assim, despertar Deus (Conversas à Mesa de Lutero, p. 198).

Jacó luta com um alvo: receber uma bênção especial de Deus. Para uma consagração total é preciso ter fome e sede de Deus.


Por quê Deus lutou com Jacó e se deixou vencer? Porque Ele fez uma leitura do coração deste homem e viu a sua fome e sede de consagração. Jacó estava determinado a ser abençoado. Que estes mesmos sentimentos tomem hoje mesmo os nossos corações.

Finalmente, outro caminho que identificamos é o CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO.

Há uma pergunta neste texto muito intrigante: Como te chamas? (V.27). Será que Deus não sabia o nome deste homem? Claro que sim. O problema não era esse. Jacó durante toda a sua vida, provavelmente, tinha esta pergunta em sua mente. Esta foi a pergunta feita por seu pai há muitos anos atrás. Seu pai lhe pergunta: Quem és tu meu filho? Jacó responde: Sou Esaú (Gn 27.18,19). Jesus também pergunta ao endemoninhado qual o nome dele: Ele responde: Legião, porque somos muitos.


A questão não era tão somente o nome, mas o caráter. Kidner nos revela que saber o nome de um homem dá a alguém mal-intencionado algum poder sobre ele, conforme as religiões mágicas. Mas a Bíblia considera o nome como um indicativo potencial do caráter de quem o leva. Declarar o nome de alguém podia ser, às vezes, um ato de auto-revelação (Gênesis, Introdução e Comentário, p.158).


Ao se declarar agora como Jacó, como usurpador, como um miserável mentiroso, a verdadeira santificação acontece. Se declarar Jacó é como se declarar culpado, achado em seu erro e sem a capacidade de fugir de Deus. Jacó fugiu de Esaú; fugiu de Labão, mas não pode fugir de Deus.


Da mesma forma, Deus nos encontra onde estivermos, da forma que estivermos. Ele encontrou Adão fugidio, escondido entre árvores no jardim; ele encontrou Hagar quando ela esteve desolada no deserto fugindo de Sara. Ele encontrou Jonas no ventre de um peixe no fundo do Mediterrâneo. Da mesma forma, Jesus encontrou Natanael quando ele estava debaixo da figueira.


Davi tem noção desta intervenção de Deus no coração do homem no maravilhoso Salmo 139. Senhor, tu me sondas e me conheces (v.1). Não há como fugir de sua presença.

De vez em quando, no quarto secreto, devemos abrir o nosso coração diante de Deus, que tudo vê, mas gosta da confissão sincera, e nos apresentarmos como Jacó que somos. Ele já sabe, mas gosta de ouvir de cada um de seus servos que não há como continuar sem um pacto com Ele.


Há algo que deve chamar a nossa atenção aqui. Esaú está vindo, e Jacó somente entra nesse acordo com Deus por medo de ser eliminado já pela manhã. Aproximadamente mil e oitocentos anos depois, um descendente de Jacó também está no jardim de oração, no Getsêmani. Um inimigo, à semelhança de agora, também se aproximava. Jacó tem medo e ora. Jesus, pelo contrário se expressa assim: Já não falarei muito convosco, porque aí vem o príncipe deste mundo; e ele nada tem em mim (João 14.30). Jacó, após orar deixou de temer.

Um encontro maravilhoso assim com Deus é como uma revisão da alma. Se tudo for confessado; se tudo for deixado ali no altar; nada mais temos que temer. Os que se santificam hoje, não temem os inimigos de amanhã. Este é o sentido das palavras de Josué ao povo que haveria de lutar muito até conquistar a terra prometida: Santificai-vos porque amanhã o Senhor fará maravilha no meio de vós (Josué 3.5).


Quando Jacó é perguntado pelo Senhor, pela segunda vez, sobre qual é o seu nome, ele já não sente culpa alguma. Ele simplesmente responde: Por quê perguntas pelo meu nome? E ali Deus o abençoa grandemente (v.29).


Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda a injustiça (Josué 1.9).


Agora Jacó recebe um novo nome: Israel (v.28). Israel quer dizer “como príncipe lutaste com Deus”. Um usurpador transformado em príncipe. Um novo nome para uma nova jornada. Que bom que a Palavra de Deus nos informa que se alguém está em Cristo, nova criatura é, as coisas velhas se passaram, tudo se fez novo (2 Co. 5.17). Nós recebemos uma nova natureza, uma nova filiação. Passamos agora a ser filhos de Deus ( João 1.12).


Jacó disse no final da longa noite, já amanhecendo o dia, que viu a face de Deus, que quer dizer Peniel. Ele jubila de alegria e entende que ali, neste encontro maravilhoso a sua alma fora salva (v.30). Jacó lutou com Deus na escuridão, no lusco fusco, no abscônditos, mas nada disso impediu que ele visse a Deus face a face. Que semelhança temos aqui com o texto de João 14 quando Jesus declara a discípulos curiosos: Quem vê a mim vê o Pai (v.9). Um encontro com Deus só pode ser feito se uma pessoa ver a Jesus face a face.


Enfim, amanheceu (v. 31). E as misericórdias do Senhor já tinham alcançado Jacó, pois as misericórdias do Senhor se renovam a cada manhã (Lm 3.23). A noite foi longa, muito longa, mas foi restauradora. Cumpriu-se na vida de Jacó o Salmo 30.5: Ao anoitecer, pode vir o choro, mas a alegria vem pela manhã.


Jacó é um novo homem. O falto dele a partir de agora ser um home manco (v.31,32) é um sinal do qual ele jamais deveria se esquecer. Ele lutara com Deus; ele vira a Deus face a face. Também o mancar servia como um testemunho para os que o conheciam de que Ele era agora um homem de Deus.


É melhor mancar a vida inteira com Deus do que ser perfeito fisicamente e deformado na alma. Melhor é arrancar a mão, o pé ou até mesmo o olho para não perder a vida eterna, disse Jesus (Mt. 18.8,9).


Que Deus nos encontre, não somente uma vez na vida, mas todos os dias. Que marquemos com Ele um encontro no quarto secreto a cada dia; um encontro de revisão, de santificação. Que as práticas devocionais sejam para nós uma experiência diária e uma experiência maravilhosa. Qual é o teu nome?


 

Pr. Luiz César Nunes de Araújo

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