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SOBRE NOVOS COMEÇOS

Lucas 5. 1 a 11


Talvez você conheça um olhar de desânimo e até um certo flerte com a desistência. É provável que você já o viu em seu próprio rosto ou no semblante daqueles com quem convive. Os olhos fixos no chão e a cabeça baixa, os lábios que se comprimem em consternação. Como quando seu colega está a um fio do divórcio. Ao conversar com ele você questiona: “não dá para tentar mais uma vez?” Ele com desesperança diz. “Já fiz isso, venho tentando sem sucesso”. Ou então quando a mãe de alguém não fala há anos com o genro. “Não dá para tentar mais uma vez?”, você pergunta àquela sogra. Ela olha de lado, respira fundo, suspira, e diz que é melhor viver sem conviver. E ainda quando, depois de fazer carreira no mesmo emprego, a crise incluiu um pai de família no programa de demissões da empresa, e ele já não é mais um jovem promissor, as portas estão fechadas na área dele. Aprender outra profissão? Dava no mesmo se você sugerisse a ele atravessar a floresta amazônica engatinhando. Ele sacode a cabeça dizendo, “sou velho demais... é tarde demais”. Tarde demais para salvar um casamento. Tarde demais para reconciliar uma sogra com genro. Tarde demais para alguém começar uma nova carreira...


“Tarde demais para pegar qualquer peixe” talvez tenha sido o pensamento que passou pela cabeça de Pedro, no texto citado acima. Durante a noite toda ele tentou pescar. Ele testemunhou tanto o pôr-do-sol quanto o amanhecer, mas não tinha nada para mostrar, frustrado e talvez até constrangido agora estava limpando suas redes. Mas Jesus quer que ele tentasse de novo. “Certo dia, Jesus estava perto do lago de Genesaré, e uma multidão o comprimia de todos os lados para ouvir a palavra de Deus” (Lucas 5:1). Naquela mesma manhã o mestre de Nazaré estava ensinando à margem do lago de Genesaré, o palco do fracasso de Pedro na noite anterior. A multidão de ouvintes o comprimia e, à medida em que ele saia da areia e entrava na água, viu dois barcos à beira do lago, deixados ali pelos pescadores que agora lavavam as suas redes. Entrou em um dos barcos, o que pertencia a Simão, e pediu-lhe que se afastasse um pouco da praia. Então se sentou, e do barco ensinava o povo. Tendo acabado de falar, disse a Simão: “Vá para onde as águas são mais fundas”, e a todos: “Lancem as redes para a pesca” (v. 2-4). Que pedido inusitado! Apesar de ser uma coisa natural de se pedir a pescadores, naquele momento essa não parecia ser uma boa ideia. Eles estavam frustrados, cansados e com sono. O meio da manhã não parecia ser a ocasião apropriada para uma pescaria, e justamente onde eles não obtiveram sucesso na noite anterior. Pedro olha Jesus com “aquela” expressão. O olhar de “desânimo e flerte com a desistência”. Ele corre seus dedos pelo cabelo e suspira: “Mestre, esforçamo-nos a noite inteira e não pegamos nada” (v. 5). Você pode sentir a desesperança de Pedro? Os barcos flutuaram sem peixes sobre a mar a noite todinha. O pescador experiente está confessando o seu mais recente fracasso naquilo que realizava tão bem a vida toda, com exceção da noite passada.


Redes vazias, como elas chateiam! Quanto tempo você tem lidado com a sua? O filho por quem você tem orado, mas ainda não o viu experimentado o novo nascimento. O sobrinho querido que está entregue às drogas. A promoção que deveria ter saído e que melhoraria muito o orçamento familiar, mas com o novo governo não há nem sinal dela no horizonte. Dívidas? São sufocantes, consomem as forças e tem sido difícil sair deste atoleiro.


Redes vazias, coração desesperançoso. E as respostas que muitas vezes damos destilam desânimo: “Mestre, esforçamo-nos a noite inteira e não pegamos nada.” Você conhece a sensação de noites sem sono e sem “peixes”? É claro que conhece. Não importa o que você faça. Você dá duro a noite inteira e não consegui pescar nada. Com certeza você já sentiu o que Pedro sentiu, já esteve onde Pedro estava. Mas, como ele fez com Pedro, Jesus está pedindo que você vá pescar. Ele sabe que suas redes estão vazias. Ele sabe que seu coração está exausto. Ele sabe que não há nada que você gostaria mais do que poder dar as costas à bagunça e encerrar por hoje, e mesmo assim ele diz: “Não é tarde demais para tentar de novo”.


Pedro obedeceu. O resultado é que agora os seus braços estão estendidos para fora do barco, segurando a rede. É tudo o que ele pode fazer até que os demais rapazes possam ajudá-lo. Em poucos momentos, os quatro pescadores e o carpinteiro estão até os joelhos de cardume saltitante. Então, Pedro ergue os olhos da pescaria e olha atentamente para o rosto de Cristo. Nesse momento, pela primeira vez, ele vê Jesus, o Senhor. Pedro prostra-se no chão, com a cara enterrada nos peixes. O mau cheiro não o incomoda. É o seu próprio fedor, de pecado e culpa, que o incomoda. “Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador!” (v. 8). Cristo não tinha intenção nenhuma de atender àquele pedido. Ele não abandona os pecadores autoconfessos. Muito pelo contrário, ele os convoca. “Não tenha medo; de agora em diante você será pescador de homens” (v. 10). No dia em que Pedro obteve o maior sucesso profissional na sua carreira ele foi convocado a deixar tudo para seguir a Jesus e simplesmente obedeceu.


Ao contrário do que você talvez tenha aprendido, Jesus não limita seu recrutamento àqueles com corações valentes e vidas exaustivamente ascéticas e ilibadas. Os abatidos e os esgotados geralmente compõem a sua lista de convocados. Nosso mestre costuma subir em barcos, leitos de enfermidade, sofás e outros locais onde jazem os cansados, deprimidos e consumidos pela culpa para dizer-lhes “não é tarde demais para recomeçar”.


O Deus-homem que localiza cada pescador e pecador esgotado, se preocupa o suficiente para entrar em seus barcos e para dissolver a frustração do fracasso. Ele continua sendo o nosso Mestre, e sussurra suas palavras para nós, os proprietários de redes vazias: “Vamos tentar de novo — só que dessa vez comigo a bordo”.[1]


 

Juntos a serviço do Mestre,

Pr. Carlos Valderrama

Professor Residente do SETECEB

[1] Parte do conteúdo extraído e adaptado do seguinte livro: LUCADO, Max. O Salvador Mora ao Lado.: Thomas Nelson, Rio de Janeiro: 2011.

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